Deixou o seu apartamento em Leipzig, a uma hora de Berlim, e mudou-se para uma caravana na floresta. Durante um ano resistiu à sociedade de consumo e viveu sem gastar um único cêntimo: plantou vegetais, caçou, pescou, construiu mobília, conheceu todo o tipo de pessoas. A competência mais importante em caso de emergência? “Encontrar pessoas e comunidades que nos possam apoiar”, respondeu ao P3 numa entrevista feita por email. A jovem jornalista “freelancer” de 30 anos quis sair da sua zona de conforto e antecipar-se a uma provável falência do sistema económico do mundo ocidental. “Porque havemos de esperar até que a miséria nos force a agir?”, questiona Greta Taubert. De regresso a Leipzig — depois de comprar “collants”, a primeira e mais saudosa compra que fez — dedicou-se a finalizar o livro “Apocalypse Now!” e a espalhar a mensagem: não podemos renunciar à sociedade de consumo, mas podemos (e devemos) combater o hiper-consumismo.
Foi na casa dos seus avós, perante uma mesa cheia de comida, que pensou dar início a este projecto. Como é que surge o “clique”?
Tudo começou numa tarde de domingo comum em casa dos meus avós. A família reuniu-se à volta da mesa, que estava cheia de comida deliciosa e bebidas: bolos de todo o género, sandes, salsichas, etc. Não tinha necessariamente de haver fome para comermos, estávamos sentados, a comer um universo de calorias, para mostrar que estava tudo bem — connosco, com a família, com a nação. Mas enquanto tomava o meu café percebi pela primeira vez que todos os membros felizes desta família já tinham experienciado a falha de um sistema. Os meus pais nasceram na RDA [República Democrática Alemã], formaram uma família, tiveram empregos — até 1989, quando o muro caiu. Os meus avós eram miúdos quando Hitler tentou construir o ‘Reich de 1000 anos’, que (felizmente) terminou passados 12 anos. E os meus bisavós nasceram durante uma monarquia. Três gerações, três ideologias, três experiências limite. O que me tornou tão segura que este capitalismo ocidental com todas as suas perversões — hiper-consumismo, recursos finitos e desigualdades — deveria durar para sempre?
Qual foi a reacção da sua família quando comunicou o que ia fazer?
A minha família não entendeu por que razão eu queria sair da minha zona de conforto. Eles experienciaram como era viver numa sociedade onde há escassez de recursos e fome. Eu disse-lhes: a minha geração nunca teve de lidar com nenhum problema existencial, nós não estamos habituados a fazer trocas, não sabemos reparar coisas, plantar e colher para ser auto-suficiente. Tudo o que sabemos é como ir ao supermercado e comprar e isso torna-nos muito dependentes. É por isso que consumimos e consumimos e consumimos. Porque essa é a base do nosso sistema. Mas nós não podemos ir adiante com este hiper-consumismo: a nossa avidez por novos bens cresce, mas os recursos são limitados. Nós seremos confrontados com isso, mais cedo ou mais tarde. Porque havemos de esperar até que a miséria nos force a agir?
Como é que foi a preparação para embarcar neste ano sem consumismo?
Não houve propriamente uma preparação. Eu estava dominada pelo medo e não conseguia decidir racionalmente qual era a melhor forma de me manter em segurança. Eu queria sair da minha zona de conforto, tornar-me mais independente, perceber o real valor da comida e bens, conhecer pessoas que me ensinassem como usar as minhas próprias mãos e cabeça. Queria libertar-me das amarras do capitalismo.
Plantou os seus próprios vegetais e fruta, fez o seu champô, o seu desodorizante… O futuro pode passar por este tipo de abordagem?
Eu entrei numa dieta de compras. Deixei de comprar, fosse em “shoppings” fosse na Internet. Em alternativa, tentei plantar os meus vegetais, caçar, pescar, trocar, partilhar, construir a minha própria mobília e por aí adiante. Isso foi muito desgastante porque eu era uma completa ignorante neste tipo de competências. E ainda sou. É preciso mais do que um ano para ganhar essas competências culturais com as quais a maior parte das pessoas da minha geração na Alemanha não tem qualquer ligação. Foi uma aventura “hardcore” que me fez pensar sobre as minhas próprias habilidades para resolver até as mais pequenas tarefas. Eu abandonei o meu apartamento e mudei-me para quintas sustentáveis, onde vivi num caravana na floresta. Lá eu aprendi que a mais importante habilidade em caso de emergência é: encontrar pessoas e comunidades que nos possam apoiar.
Perdeu 20 quilos num ano. Como era a sua alimentação?
Muito resumidamente: não era assim tão má. Eu experimentei muita coisa. No início vivia apenas com o que tinha no meu “kit” de emergência. Depois comecei a perceber a quantidade de coisas que podemos encontrar em parques urbanos e bosques. Plantei, juntamente com 30 agricultores, os meus legumes, seguindo a ideia de uma comunidade agrícola. Aprendi como viver apenas com ervas e frutas, caçando e aproveitando as sobras dos supermercados. Eu não sei se a perda de peso foi causada pela alimentação, maioritariamente vegetariana, ou se foi pelo “stress”.
Que pessoas conheceu no último ano?
A experiência mais emocionante foi ver que não há um círculo fechado de pessoas que procuram formas alternativas de viver e pensar. Encontrei jardineiros, “hackers”, “hippies”, homens de negócios, agricultores, anarquistas, artistas, bobos… E percebi que todos tinham o mesmo desejo de se manterem unidos e resistentes a tudo o que se está a passar. Nós temos de começar a perceber que o dinheiro e o consumismo nos têm afastado uns dos outros.
O título do seu livro parece esperar o pior: “Apocalypse Now!” Porquê esta escolha?
Porque eu comecei com uma perspectiva muito pessimista sobre a forma como o mundo ocidental poderia lidar com a crise económica e sobre como eu também me afundaria com isso. Mas quanto mais experienciei mais descobri sobre a potencial alegria de uma nova sociedade. Eu perguntei a mim mesma: porque hei-de esperar até que todo o sistema falhe? Porque não experimentar novas formas de vida em comunidade antes de tudo acabar? Nós temos o enorme luxo de ter a capacidade de tentar. Devíamos usá-lo mais.
É um livro sobre sobrevivência à crise ou sobre sustentabilidade?
Nem uma coisa nem outra. É uma busca individual por resiliência, ou seja: como resistir às muito prováveis perturbações causadas pela prosperidade ocidental.
Qual foi a coisa mais importante que aprendeu?
Que nos habituamos a tudo. Precisamos de uma comunidade que nos ajude. E que devemos ter sempre algumas nozes connosco.
O que fica por fazer?
Muita coisa. Ainda sou uma principiante, uma observadora, uma estudante. A liberdade é um processo constante.
Quando iniciou esta aventura disse que queria testar se era possível ser independente da sociedade de consumo. Qual é a sua conclusão?
Não é possível não consumirmos. Tudo o que fazemos está ligado à sociedade de consumo. Mas podemos lutar contra o lado perverso disto: o hiper-consumismo. Se fores habituado a plantar as tuas próprias cenouras tu vais comê-las mesmo que não tenham a forma perfeita. Quando constróis a tua própria cadeira, provavelmente cuidarás melhor dela do que se comprares uma no Ikea por cinco euros. E quando descobrimos a alegria da troca de bens e do upcycling começamos a dar valor a uma série de coisas que considerávamos lixo.
Como foi voltar à vida “normal”?
Eu perdi a noção dessas categorias, do que é normal e do que não é normal. Quem é normal? A pessoa que vive do que apanha no caixote do lixo, ou a pessoa que atira alguma coisa para esse caixote? É normal especular (financeiramente) com o espaço habitável, ou simplesmente ocupá-lo?
Qual foi a primeira coisa que quis fazer depois desse ano?
Comprar “collants”. É algo que rasga a toda a hora, não é reparável, não pode ser trocado — este meu lado feminino provavelmente nunca desaparecerá.
E agora, o que mudou na sua vida?
O medo desapareceu.
Fonte: P3 Portugal por Mariana Correia Pinto