Governo quer facilitar o aluguel de acomodações para fazer frente ao aumento do turismo
Teruko Neriki, anfitriã do Airbnb Inc. em Tóquio, dá instruções detalhadas a seus hóspedes sobre como evitar problemas com vizinhos: colocar o lixo para fora só nas terças ou sextas-feiras, não trazer ninguém para casa e não fazer bagunça. Neriki ganha uma boa quantia por ano com o serviço de compartilhamento de acomodações, ajudando o Japão a reduzir a escassez de hospedagem provocada pelo aumento do turismo. Só que em grande parte do Japão, inclusive no bairro tranquilo de Tóquio onde Neriki mora, o compartilhamento de acomodações está num limbo regulatório.
“Até agora, não tive nenhum problema sério”, diz Neriki, que administra a casa em nome de uma tia-avó. “Os vizinhos pensam que amigos do exterior estão visitando. Mas, ainda assim, é desconfortável.”
Muito tempo depois de a chamada economia compartilhada ter decolado nos Estados Unidos, ela ainda é limitada no Japão por várias restrições legais, regulatórias e culturais. Alguns serviços muito utilizados em vários países, como as caronas pagas, são proibidos. E a ideia de encontrar uma faxineira ou babá na internet permanece estranha numa sociedade que privilegia a privacidade, embora algumas “startups” com nomes como AsMama Inc. e AnyTimes estejam tentando mudar isso.
Agora, num esforço para acompanhar o resto do mundo em uma das áreas mais aquecidas da economia digital, o governo do primeiro-ministro Shinzo Abe está reduzindo as restrições para o compartilhamento de acomodações.
No fim de janeiro, o bairro de Ota, em Tóquio, foi a primeira área do Japão a ganhar permissão para que os moradores aluguem espaços para turistas dentro de certas condições. Os anfitriões têm que fazer um registro com as autoridades locais e concordar com inspeções. E os visitantes têm que ficar hospedados no mínimo uma semana.
Atraídos por um iene desvalorizado, um recorde de 19,7 milhões de estrangeiros visitaram o Japão no ano passado, número que deve crescer com a aproximação da Olimpíada de 2020, que será realizada em Tóquio. Quartos de hotéis estão ficando escassos.
“Precisamos tornar a experiência dos turistas estrangeiros visitando o Japão mais conveniente e confortável”, disse Abe em outubro. “Para isso, nós precisamos expandir o número de acomodações de curto prazo para além dos hotéis e ampliar o uso de carros privados como meio de transporte.”
Isso pode levar algum tempo. Embora não existam leis especificamente proibindo o compartilhamento de acomodações, a lei hoteleira determina que os serviços de hospedagem paga devem ter uma recepção e ser localizados fora das áreas residenciais, condições que poucas moradias particulares podem atender.
O Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar Social está revisando a lei para facilitar que proprietários aluguem espaços em seus imóveis, diz uma autoridade. As mudanças, que podem entrar em vigor já em abril, devem incluir uma redução no espaço mínimo exigido para acomodações.
Com menos de 27 mil lares listados no Airbnb, o Japão está bem atrás dos EUA, por exemplo, que têm 337 mil domicílios cadastrados, segundo dados de janeiro. A cidade de Tóquio tinha 11.500 lugares registrados, ante 66 mil de Paris, a cidade com o maior número de ofertas, segundo a empresa americana.
Mas o Japão está mostrando um forte crescimento. O número de lares listados mais do que quadruplicou nos últimos 12 meses e o número de visitantes estrangeiros que usaram o serviço no Japão subiu mais de seis vezes, a maior taxa de crescimento do Airbnb no mundo.
“O Japão é um grande mercado, tanto em termos de PIB como em negócios na área de viagens, e seu potencial é evidente dado o crescimento que estamos vendo”, diz Yasuyuki Tanabe, diretor-presidente do Airbnb no Japão.
O compartilhamento de transporte, setor em que startups americanas como Uber Technologies Inc. e Lyft Inc. foram pioneiras, ainda não foi muito longe no Japão, embora algumas firmas do país já tenham investido na área. A empresa de comércio eletrônico japonesa Rakuten Inc. possui uma participação na Lyft.
As leis japonesas impedem a Uber de oferecer seu serviço de caronas pagas com carros e motoristas que não possuem licenças de táxi. A Uber criou um serviço de táxi e limusine em Tóquio, em 2014, mas ele enfrenta forte concorrência dos táxis tradicionais.
O porta-voz da Uber, Harold Li, diz que a empresa precisa de mais tempo. “Muitos no Japão têm nos procurado e expressado o desejo de levar o [serviço de] compartilhamento de corridas para suas cidades”, diz ele.
Ichiro Kawanabe, presidente da empresa de táxi Nihon Kotsu Co. e de uma associação de táxis de Tóquio, a Hire-Taxi Association, diz que não há necessidade da Uber no Japão porque os táxis são abundantes, convenientes e têm preços competitivos. “A Uber pode atrair homens de negócios de tecnologia com mentalidade internacional, mas não a vovó tradicional que não vai saber usar o serviço”, diz ele.
Li, porta-voz da Uber, diz que os táxis em Tóquio estão ocupados apenas em 30% do tempo e o objetivo da Uber é “melhorar o uso de recursos subutilizados”.
Em 2014, a associação de táxis lançou um aplicativo para conectar usuários a 11 mil táxis, ou cerca de 25% dos táxis de Tóquio. No ano passado, a Line Corp., que opera um serviço de mensagens popular via smartphones, lançou seu próprio serviço de chamadas de táxis em parceria com a Nihon Kotsu.
O Japão não é o único lugar onde a economia compartilhada gera opiniões divergentes. Os serviços de compartilhamento de transporte causaram protestos, proibições e restrições regulatórias em inúmeros países, inclusive no Brasil, enquanto o compartilhamento de acomodações levou a um referendo que buscava uma regulação mais severa em San Francisco, mas que não obteve sucesso.